quarta-feira, 29 de abril de 2009

.Por trás da escola.

Acabei de ler um livro chamado ''Por trás dos muros da escola''.
O livro é das autoras, Alba Ayrosa Galvão e Iracy Garcia Rossi, duas educadoras que narram algumas de suas experiências nas escolas de São Paulo.

Adorei o livro. Uma das histórias merece ser reproduzida aqui.


Nunca consegui entender bem o que aconteceu com Robson.

Filho de pais separados, aprendera a conviver com a situação. A nova esposa do pai tinha por ele um respeito singular e conseguira cativá-lo. A mãe vivera um tempo internada, mas agora estava bem e Robson já passava com ela alguns fins de semana.

(...) Na escola tudo corria bem. Ele fazia parte do grupo do período integral. Estudava de manhã, almoçava, praticava esportes e outras atividades lúdicas, e só no fim da tarde o motorista vinha pegá-lo. Era alegre, divertido, falava bastante, comia bem. Aquele aluno que toda professora pede a Deus.

Numa segunda-feira Robson não veio. Na terça, idem. Na quarta, Maíra, a segunda esposa do pai de Robson, apareceu. Contou que, no sábado, ela e o marido haviam sido chamados às pressas a um hospital. A mãe de Robson fora internada de novo. Outra crise. Talvez tão forte quanto a primeira que tivera. E o pior de tudo é que Robson estava passando o fim de semana com ela e assistira a tudo. Na aflição de socorrer a mulher, ninguém notara o menininho de cinco anos, olhos estatelados, acompanhando tudo, sem falar, sem chorar...

Somente no dia seguinte à internação da mãe de Robson foi que Maíra e Roberto, o pai do garoto, perceberam o estado em que ele se encontrava e levaram-no imediatamente ao pediatra. Graças a Deus, tudo parecia normal. Ele estava falando menos, não queria comer, mas isso era esperado em virtude do susto.

Como as ondas do mar, as semanas iam, as semanas voltavam, e Robson falava cada vez menos. Comer, então, se tornara impossível. Sobrevivia por causa do soro, da água.

Na escola, fui orientada a tratá-lo normalmente e, toda vez que fosse almoçar, deveria proceder como se ele também fosse. Eu sempre comentava sobre o cheirinho da comida, o sabor, mostrava que sabia o que ele apreciava... Muitas vezes ele nem sequer olhava para o prato. Com muito custo, ingeria um pouco de água. Eu não sabia mais o que fazer. Embora já conformada, eu continuava a fazer meus comentários, passar a mão em seus cabelos, segurá-lo no meu colo com carinho. Todos da escola acompanhavam consternados esses acontecimentos.

O tempo passava. Dois meses. Três. Sete. Sim, foi no sétimo mês. As coisas na minha casa não iam bem. Briguei com o namorado. Minha amiga Beth me azucrinava dizendo que eu é que não tinha jeito mesmo. A chateação tomou conta de mim. Não sabia bem que rumo tomar. Eu ruminava meus medos, meus sonhos, e estava achando tudo uma droga. Meu Deus! Que vontade de chorar! Era hora do almoço. Lá fui eu com Robson, de mãos dadas, para a mesa. Coloquei-o no meu colo. Falei-lhe da comida, uma fala automática. Tentei comer.
Parecia-me ter engolido o mundo e nada mais caberia. Comecei então a mexer na comida com o garfo, como quem vai ciscar um cantinho, desiste, vai para outro... Sem dúvida, a comida não desceria. A garganta estava presa, o coração apertado, os olhos querendo chover... Foi então que Robson colocou a mão no meu rosto e disse: “A comidinha está cheirosa, gostosa... coma um pouquinho! Vai fazer bem pra você!”. E ele começou a comer naturalmente.
Todos os presentes ficaram absolutamente imóveis. Eu não me mexia, parecia uma estátua. Tinha medo de quebrar o encanto, perder o momento.
Quem visse a cena a distância [ouviria] o ritmo daqueles corações que, a essa altura, transformaram-se num grande surdo, tamanha era a força com que batiam.
Robson voltava à vida.



Sem dúvida, o que Robson recuperou, ou encontrou, foi a capacidadede cuidar da mãe doente. Robson ao meu ver, pode retribuir o ensinamento da professora, que de nada lhe servia até então, porque seu problema não era o de ser protegido e cuidado, e sim o de ser capaz de proteger e cuidar de alguém.

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